Bocaiuva não agüentava mais o latido insistente do Paquito, o cachorro da Douvina, sua vizinha. E comentava com o amigo Pouca Roupa:
- Macho véi, eu ainda mando pro inferno a desgraça daquele cachorro!
-Tu ta falando do Paquito, o cachorro aí da vizinha do lado esquerdo?
-Esse mesmo! A miséria num deixa mais eu dormir em paz!
Dobrou a manga da camisa e foi em frente:
-É um latido desgraçado! É um au-au misturado com ai-ai, só tu vendo!
-Mas se eu fosse tu, Bocaiuva, ia falar primeiro com a dona, antes de arrancar o fato dele! Pode ser que ela dê um jeito!
- Meu compadre, tu num sabe quem é essa mulher, não! Aliás, os dois dão certim! Mas tudo bem, eu vou lá!
Ao chegar na casa da mulher, abriu o jogo:
- Dona Douvina, eu tô aqui por causa do seu cachorro!
- O quê? O meu cahorro mandou lhe chamar? É por isso que está assim, meio estranho! Também com essas amizades tipo assim a do senhor, num era pra menos!
Bocaiuva pinotou de lado e gritou forte:
-Tá ficando doida, dona Douvina? Quero dizer que essa porcaria num para de latir!
E daí, seu Bocaiuva? Ele está na casa dele e também tem direto a liberdade de expressão!
- Prestenção no que eu disse, dona Douvina! Depois num teja aí chorando sem saber o porquê!
- O senhor ta com ameaça, é? Pois fique sabendo que a madrinha dele, a Brigite Bardot, vai tomar conhecimento disso tudim! Ta ouvindo, fariseu?
Mas o caso ganhou nova roupagem. Ao invés de só latir, ele partiu em direção ao chamego do Bocaiuva, a Dagmar, e deu-lhe uma mordida no bumbum.Choramingando, falou pro amado:
-Meu benzim, faça alguma coisa! Eu tô desmoralizada por causa desse cachorro que ta querendo dar uma de tarado!
E acariciando o rosto do Bocaiuva, pediu pressa:
- Vai lá agora, meu Boquinha! Arrebenta com aquele fuleiragem!
- Vou fazer melhor! Vou apagar aquele fuleiro!
Foi ao bar do Chaguinha, e depois de meter umas com tira -gosto de torresmo, falou alto que os dias do Paquito estavam contados:
- Quem tiver algum dinheiro pra receber na mão daquele cachorro que me recuso a dizer o nome, que vá logo cobrar! De hoje ele num passa!
No dia seguinte, a notícia se espalhou pelo bairro. Paquito tinha amanhecido morto envenenado quando saboreava um cururu ao molho mil e oitenta. As pessoas, revoltadas, pegaram o Bocaiuva de jeito e a peia foi grande. Ele está todo moído no hospital. Babando e sem comer nada.
Igual a cachorro doido.
Sales Andrade do Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Política de moderação de comentários: A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal / familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.